26/08/2025

STF revê modulação e impede cobrança retroativa de ICMS

Por: Luiza Calegari
Fonte: Valor Econômico
O Supremo Tribunal Federal (STF) aceitou pedido dos contribuintes para
rever e esclarecer a modulação de efeitos aplicada no julgamento que afastou
a incidência do ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias
entre estabelecimentos de uma mesma empresa. A decisão impede os
Estados de cobrar o imposto estadual sobre operações realizadas antes de
2024 - marco temporal adotado pelos ministros.
A não incidência do ICMS foi definida pelo Supremo na Ação Declaratória de
Constitucionalidade (ADC) nº 49, em 2021. Dois anos depois, houve
modulação dos efeitos da decisão, para que só tivesse efeito a partir do exercício
financeiro de 2024, exceto para empresas que tivessem processos
administrativos e judiciais pendentes até a data de publicação da ata do
julgamento do STF, que ocorreu em 29 de abril de 2021.
O problema é que, depois da modulação, alguns Estados começaram a lavrar
autos de infração para os exercícios financeiros entre a data de publicação da
ata e o início da vigência da decisão - ou seja, de maio de 2021 até dezembro de
2023. Porém, para tributaristas, não faz sentido cobrar um imposto que foi
declarado inconstitucional em razão da modulação de efeitos.
Os contribuintes já tinham tentado restringir a cobrança em embargos de
declaração na ADC 49. Mas eles foram rejeitados duas vezes porque tinham
sido apresentados por partes interessadas (amicus curiae) no processo. Em
2024, o assunto voltou à pauta do STF, por meio de recurso extraordinário que
teve a repercussão geral reconhecida (RE 1490708). E, no mérito, os ministros
decidiram manter a modulação.
Agora, no julgamento de embargos de declaração apresentados no recurso
extraordinário, houve mudança de posicionamento. A maioria dos ministros
acompanhou o entendimento de Dias Toffoli, para quem o Supremo nunca
“teve o propósito de ampliar a efetiva arrecadação das unidades federadas
mediante autorização da cobrança do imposto, com base em norma
inconstitucional”.
Segundo o ministro, “permitir essa cobrança contraria a intenção de se
preservarem as operações praticadas e estruturas negociais concebidas pelos
contribuintes. Afinal, com isso, os contribuintes seriam pegos de surpresa, com
uma cobrança de tributo que era inimaginável”.
Ficou vencido no julgamento, o relator do processo, ministro Luís Roberto
Barroso, que negava os embargos sustentando que o pedido não tinha por
objetivo pedir esclarecimentos, mas sim tentar mudar o resultado do julgamento
por “inconformismo”.
Para os contribuintes, a decisão é um passo importante para encerrar uma
discussão que vem sendo travada no Judiciário há pelo menos 30 anos. O
primeiro precedente qualificado sobre o tema é de 1996: a Súmula nº 166 do
Superior Tribunal de Justiça (STJ). O texto diz que “não constitui fato gerador
do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro
estabelecimento do mesmo contribuinte”.
De acordo com Cristiane Romano, do escritório Machado Meyer, que defendeu
o contribuinte no processo, o tema é sensível para muitas empresas que estão
sendo cobradas pelo ICMS na transferência entre estabelecimentos próprios.
“A modulação proposta se deu apenas para que os contribuintes que
recolheram o imposto não ajuizassem ações de repetição de indébito. Isso está
muito claro nos votos. Assim, o Fisco jamais poderia cobrar valores anteriores
a 2024”, afirma a advogada.
Nina Pencak, sócia do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados,
representante da Associação Brasileira da Advocacia Tributária (Abat), ressalta
que o Supremo reconheceu “a má interpretação da modulação da ADC 49”.
Segundo ela, a Corte “não deixou de fazer a coisa certa e resolveu de uma vez
por todas uma questão que certamente voltaria ao Judiciário”.
Ela lembra que, ao propor a modulação na ADC 49, o ministro Edson Fachin
citou três objetivos principais: evitar impactos orçamentários, estabilizar a
concorrência entre as empresas, e evitar a litigância. “Esses três fundamentos,
se interpretados de forma conjunta com a modulação, não dariam margem para
as autuações aplicadas pelos Estados”, diz.
Para a advogada Monique Salgado, da Roit, que também defende o contribuinte
no caso, o STF buscou equilibrar os interesses federativos sem abrir brecha para
retroatividade tributária. “Para os contribuintes, o encerramento do tema
reafirma o papel do Supremo na consolidação da ordem jurídica e na garantia
de estabilidade para decisões empresariais de longo prazo”, afirma ela.
Procurada pelo Valor, a Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGESP),
que era parte no caso, afirmou que não se manifestaria sobre o julgamento.